
É chegada a hora meus amigos, vamos falar sobre tráfico de drogas.
Com vasta atuação no campo criminal, incluindo anos de experiência no Núcleo de Tóxicos da Defensoria Pública de Minas Gerais, este nobre causídico tentará expor em breves linhas algumas noções, e diferenciações, sobre o tráfico de drogas e o uso para consumo pessoal.
Por cerca de 04 anos estudando e atuando na defesa de clientes que respondem processo por tráfico de drogas, associação para o tráfico, financiamento para o tráfico, usuário, entre outros crimes previstos na Lei de Drogas, Lei 11.343/06, consegui perceber um padrão de dúvidas tanto de clientes efetivos, os quais atuamos diretamente em seus processos até a fase de cumprimento de pena, quanto àqueles que prestamos assessoramento e aconselhamento.
Indo direto ao assunto, o grande fator é que: muitas pessoas acreditam que determinada quantia caracteriza o tráfico, enquanto outras quantias de porções não caracterizariam tráfico.
Mas então como é caracterizado o crime de tráfico de drogas?

Primeiramente, o art. 33 da Lei de Drogas, com redação dada pela lei 11.343/06, diz o seguinte:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Pois bem, o crime de tráfico possui variados núcleos que podem levar a sua caracterização, como se vê dos ditames do art 33. Ocorre que, na prática, os critérios utilizados, em tese, dizem respeito, muito mais, a eventual postura do agente.
Explicamos, costumeiramente, na maioria dos flagrantes, os militares responsáveis pela apreensão relatam no Boletim de Ocorrência, que a pessoa portava sacola, ou que se apostava de modo suspeito em local com incidência de trafico.
Ora, tais fatores abrem profunda margem para erros, ao passo que uma pessoa no lugar errado e na hora errada poderia ser confundida com um traficante. Pois é caros leitores, fatidicamente isto ocorre em uma proporção muito maior do que deveria, sendo certo que na maioria das operações pessoas são conduzidas de maneira indiscriminada.
Assim, a quantidade de entorpecente não é o fator crucial, e sim as demais circunstâncias, que podem ser interpretadas pelos policiais como sendo postura de um traficante de drogas. Vale dizer então que, definitivamente, será analisado todo o contexto do sujeito, desde sua presença no local, até eventual contato com terceiros (que poderia ser interpretado como assédio na tentativa de vender drogas).
Certo é que tais movimentações consistem, ainda, no encontro de anotações, balanças de precisão, sacos para dolagem, variedade de drogas e alto valor monetário em espécie.
A quantidade de drogas em si não pode ser tomada como único argumento para caracterizar o crime de tráfico de drogas, muito embora quando de minha atuação na Defensoria Pública de Minas Gerais o que se via era o contrário para com os assistidos.
Isto se dá pois a interpretação será dada pelo juiz, que irá concluir pelos elementos apresentados no processo, se o caso se trata de um usuário ou de um traficante. Contudo, antes desta analise final do juiz há a oportunidade para alegação e produção de provas, momento este que buscamos subsidiar a argumentação da forma mais robusta possível.
Ainda no que tange a famigerada quantidade, é indene que ela por si não atrai o delito de tráfico de forma imediata. Ademais, cumpre ressaltarmos que a já ressaltada quantidade de entorpecente, bem como eventual variedade (ex. sujeito que adquire maconha e cocaína), não indicam, tampouco caracterizam, por si, o crime de tráfico de drogas.
É que tal delito exige a presença de dolo específico, voltado para aquelas condutas descritas anteriormente no já apresentado art. 33.
Sobre o tema Cleber Masson sustenta que:
Sem prejuízo, devem ser levadas em consideração as circunstâncias sociais e pessoais do agente, sendo razoável pressupor como indicativo de narcotraficância, em linha de princípio, o encontro de uma considerável quantidade de droga em poder de pessoa já condenada por tráfico de drogas. Mas esse critério, como os demais, não pode ser analisado isoladamente, sob risco de serem cometidos equívocos. (Masson, Cleber Lei de Drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019).
Ainda sobre a quantidade de drogas, Renato Brasileiro de Lima ressalta:
“Há alguns anos, um conhecido ator de televisão foi flagrado comprando uma quantidade razoável de drogas. À primeira vista, poder-se-ia pensar em tráfico de drogas, face a quantidade de substância entorpecente apreendida. No entanto, restou comprovado que o agente teria comprado uma quantidade elevada porquanto tinha receio de ser flagrado pela polícia (ou pela mídia) caso tivesse que comparecer diariamente a pontos de vendas de drogas para aquisição da substância destinada ao seu consumo pessoal.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2016).
Sendo assim, podemos perceber que a legislação que trata sobre o tráfico de drogas em nosso país não tratou de estabelecer um critério quantitativo para destinar uma diferenciação entre tráfico e consumo. Indo mais além, a questão da quantidade pode abarcar contornos subjetivos, eis que cada usuário possui uma margem de consumo, impossível de ser individualizada de forma genérica. Sendo assim, este fator é analisado, de forma pormenorizada, através dos elementos de prova de cada caso, individualmente.
De outra banda, ao analisarmos o art. 33 em comparação ao art. 28 da Lei 11.343/2006, podemos perceber que o ato de trazer consigo seria uma modalidade em comum presente tanto no tráfico quanto no uso. O aspecto capaz de lhes diferenciar é o dolo, dolo este consistente no comércio ou uso próprio.
É que o art. 28 determina que:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo
Portanto, o usuário, costumeiramente, é caracterizado, não apenas como aquele sujeito que detêm pequenas porções de droga. Sendo assim, os critérios analisados passam por toda a verificação do contexto e local da abordagem, bem como se há a presença de materiais ou outros indícios capazes de levar a conclusão pela existência de mercantilização de drogas.
De mais a mais, cabe ressaltar que compete exclusivamente ao Ministério Público a prova inequívoca de que a droga era destinada ao tráfico e não ao consumo do agente.
